Editorial.
Algumas pessoas nunca vão superar que você é negro e teve a coragem que elas não tiveram.
Machado de Assis talvez seja o principal expoente de um fenômeno que se reproduz cotidianamente nas esquinas, consultórios, salas de reunião, chats, calls e salas de aula desse país tão lindo que é o Brasil. Quantas pessoas negras são desafiadas diariamente a mostrarem e provarem que elas são donas de uma ideia, um processo qualificado, uma invenção, uma teoria e até de uma nota digna no ENEM?
O fenômeno do negro que precisa provar seu valor duas vezes mais já é conhecido. Isso está devidamente registrado em livros, contos, teses e toda sorte de produção bibliográfica da memória social coletiva do Brasil. Na minha visão, pouco se propõe ferramentas positivas, propositivas e efetivas para que pessoas negras como eu tenham que enfrentar a estupidez diária que, infelizmente, assola um número cada vez maior da população.
“As teorias de embranquecimento ganham versões próprias na América Latina, cuja história é marcada pelo encontro violento entre o colonizador europeu, os povos originários e a população africana escravizada. Nessa região, a ênfase recai sobre a adaptação ao meio, a educação moral, o controle sexual e as reformas sanitárias de viés higienista.”
O fenômeno alterna entre tentativa sutis e tentativas de desacreditar, desqualificar, duvidar e impessoalizar conquistas, feitos e produções advindas de homens e mulheres negros. Geralmente, as formas adotadas são mascaradas como uma ação “color-blinde”, mas podem ser facilmente caracterizadas pelo modo seletivo de agir das pessoas. É muito comum haver o deslocamento de valor sobre determinados assuntos ou a relativização dos resultados positivos alcançados. Podemos usar como exemplo o confronto incessante com pessoas negras, quando o outro lado faz a mesma pergunta diversas vezes para causar incompletude ou incapacidade técnica.
Essas ações quando falham na sua tentativa infracional de desterritorializar os sujeitos negros de suas conquistas, ainda assim geram danos significativos a sua saúde mental e no seu desenvolvimento pessoal. Também chamo de modo preliminar a atenção para um fenômeno complexo que se esconde como tentativa de proteção: o embotamento da sexualidade dos sujeitos adultos e plenamente capazes sob o argumento de protege-los.
