Editorial.
Algumas pessoas nunca vão superar que você é negro e teve a coragem que elas não tiveram.

Machado de Assis talvez seja o principal expoente de um fenômeno que se reproduz cotidianamente nas esquinas, consultórios, salas de reunião, chats, calls, e salas de aula desse país tão lindo que é o Brasil. Quantas pessoas negras são desafiadas por segundo a terem que mostrarem e provarem que elas são as donas de uma ideia, um processo qualificado, uma invenção, uma teoria, um resultado corporativo, uma redação 960 no Enem?
O fenômeno do negro que precisa provar seu valor duas vezes mais já é conhecido. Está devidamente registrado em livros, contos, teses e toda sorte de produção bibliográfica da memória social coletiva desse país. O que vejo ser ainda bem pouco são ferramentas positivas, propositiva e efetivas para que pessoas negras como eu tenhamos que enfrentar a estupidez diária que ainda assola uma, felizmente, cada vez menor, quantidade da população.
“As teorias de embranquecimento ganham versões próprias na América Latina, cuja história é marcada pelo encontro violento entre o colonizador europeu, os povos originários e a população africana escravizada. Nessa região, a ênfase recai sobre a adaptação ao meio, a educação moral, o controle sexual e as reformas sanitárias de viés higienista.”
De modo residual deste fenômeno fica tentativas ora sutis, ora nem tanto de desacreditar, desqualificar, duvidar e impessoalizar conquistas, feitos e produções advindas de homens e mulheres negros. Os modos de se fazer isso geralmente são mascarados como uma espécie de ação “color-blinde” mas podem ser caracterizados facilmente pelo modo seletivo de agir dos sujeitos. Não raramente há um deslocamento de valor sobre determinados assuntos ou um relativização dos resultados positivos alcançados na busca de se não apagar a historicidade dos feitos e avanços, dar a eles um aparência de irrelevância. Uma ação, por exemplo, muito comum é confrontar a pessoa negra três, quatro, cinco vezes com as mesmas perguntas para criar um ar de incompletude ou incapacidade técnica, buscando assim desengatilhar mecanismos subjetivos de culpabilização que na maioria das vezes são infundados.
Essas ações quando falham na sua tentativa infracional de desterritorializar os sujeitos negros de suas conquistas, ainda assim geram danos significativos a sua saúde mental e no seu desenvolvimento pessoal. Aqui também chamo de modo preliminar a atenção para um fenômeno complexo que se mascara como tentativa de proteção que é o de um certo embotamento da sexualidade dos sujeitos adultos e plenamente capazes sob a desculpa de protege-los. Esse é um tema de pesquisa que venho desenvolvendo.