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Ter uma consciência negra (elucubrações)

A confident businessman in a blue suit smiling outdoors in an urban setting during the day.

Foto: Shuterstock

Este texto originalmente foi escrito no dia 20 de novembro de 2024! Um dia histórico no país, pois é a primeira vez que o dia da consciência negra é celebrado como feriado nacional, portanto é feriado em todo o país! Note que este feriado foi idealizado em 1971 e só começou a ser implementado em 2003 e demorou vinte e um anos para que finalmente se tornasse feriado nacional. A história desse feriado é uma síntese dos significados profundos do que significa ser negro no Brasil. 

A diferença entre pessoas negras e pessoas brancas e o modo como a sociedade lida conosco (de modo desigual) é uma marca que infelizmente estrutura nossa sociedade desde a sua colonização. O Brasil enquanto nação já surge tendo a escravidão como uma marca. O empreendimento da escravização das pessoas negras marcou o mundo de uma forma que estamos há séculos tentando solucionar os problemas que ele criou. Para que se sustentasse pelo período que se sustentou a escravidão precisou se solidificar no imaginário, no inconsciente e nos valores de nações inteiras e mesmo após o seu fim “oficialmente”, ainda buscamos ferramentas para reparar os seus danos.

Assim, um feriado como hoje terá significados e efeitos diversos sobre os sujeitos. Mesmo as pessoas negras vão assumir o dia de hoje através dos mais diversos prismas e consciências. Não se pode esperar que todas as pessoas negras encarem o dia de hoje da mesma forma, embora todas as pessoas negras e brancas, em alguma medida tenha uma “consciência negra” ou uma “consciência sobre a negritude”.

Arquivo pessoal: Na reunião Brasileira de Antropologia / Belo Horizonte, 2024.

Há quem negue a desigualdade, Há quem viva para fazer dela um suplício pessoal permanente. Há aqueles que trabalham para mantê-la e há os que lutam para diminuí-la. A desigualdade racial no Brasil é algo palpável, palatável e mensurável. A miséria no Brasil tem cor! A mão desigual dos poderes estatais também tem! As favelas, as prisões, os usuários do sistema de saúde. Muitos são os indicadores que mostram que muito ainda tem que ser caminhado. Por outro lado, a quantidade de negros nas universidades (que a cada ano aumenta), a quantidade de negros em postos de chefia e comando (que a cada ano aumenta), mesmo a inescapável obrigação que atingiu a nossa programação da TV aberta, onde não se admite mais nada que não tenha pessoas negras envolvidas e representadas são indicadores de avanços e estes também são palpáveis e palatáveis. 

Arquivo pessoal: no MET em Nova York 

Eu tenho clareza quando eu desenvolvi uma madura e perceptível “consciência negra”. Veio após eu me assumir e anunciar para o mundo que eu era um homem gay. Após isso, o contato com a chamada “luta  LGBT” foi o que me fez tomar consciência de que eu também era tratado de modo desigual por ser negro. Tal como na história de Adão e Eva o conhecimento e a perda da inocência sobre algo tem pontos positivos e negativos. um doa positivos foi perceber, como eu já disse em outro texto, que ser negro me permitiu desenvolver certas habilidades e percepções que eu noto outras pessoas não tem, ou não desenvolvem. Por outro lado, todos os dias eu tenho que fazer uma escolha pessoal do que eu faço com a informação de que, algumas vezes, o dia será mais difícil para mim do que seria se minha pele tivesse outra tonalidade. Enfrentar o racismo e as pessoas racistas pode parecer heroico na leitura, mas toda pessoa negra sabe que é extremamente exaustivo e cansativo. Como um cientista social negro que tem que lidar com esse debate diariamente, posso dizer que nem no campo das Ciências Sociais, onde em tese essa lida deveria ser mais fácil, isso acontece.

Arquivo pessoal: Dia da defesa da dissertação de mestrado / Rio de Janeiro

Essa coluna talvez seja parte desse momento histórico em que estamos vivendo. Inicialmente pensei em escrever uma resenha sobre o novo álbum da cantora Tássia Reis “Topo da Minha Cabeça” que pode ser conferido AQUI nele temos uma música chamada “Brecha” onde aprendemos: 

“Mas sou brecha

Porta não fecha

Minha voz é flecha”

E

“Não se ofenda

Se eu sou fenda

Se arrependa de não reconhecer”

Brecha: Felipe Pizzutiello/Tassia Reis 

Mas a escrita me levou por outros caminhos e pensamentos. 

Paro por aqui e vamos continuar essa reflexão mais a frente! 

Arquivo pessoal