A rotina de um pesquisador já costuma ser intensa. Entre leituras intermináveis, produção acadêmica, orientações e o desafio constante de transformar ideias em conhecimento útil para a sociedade, o tempo parece sempre curto. Agora imagine encarar tudo isso em dobro. É a realidade de João Batista da Silva Junior, cientista social que decidiu trilhar um caminho pouco comum: cursar dois doutorados simultaneamente, um em Sociologia pelo PPGSA da UFRJ e outro em Ciências Sociais pela UFES.
Além da vida acadêmica, João ocupa posições de liderança e criação em diferentes frentes. É CEO do Grupo Landro Carioca, editor chefe do portal Estima Notícias e do suplemento acadêmico Diverso, membro de laboratórios de pesquisa dedicados à antropologia urbana e às experiências sociais, e fundador do núcleo MPC, que atua com memória, empreendedorismo, estudos de gênero e desenvolvimento social. Entre pesquisa, projetos, viagens e produção intelectual, a agenda dele desafia qualquer cronograma tradicional.
Nesta entrevista, João fala sobre o que o levou a assumir dois doutorados ao mesmo tempo, como administra o equilíbrio entre estudo e trabalho, os impactos psicológicos e práticos desse processo e por que acredita que pensar o Brasil exige coragem para ir além do padrão.

Estima: O que te motivou a embarcar em dois doutorados simultaneamente? Como tomou essa decisão?
Eu não tinha certeza se passaria em nenhum doutorado, então me inscrevi nos dois processos seletivos. Eu estava fora do mundo acadêmico havia cerca de nove, dez anos, e achava que talvez não fosse aprovado em nenhum. Acabei sendo aprovado nos dois.
Fui bem colocado na fase de entrevistas, tanto na UFRJ quanto na UFES. Depois da aprovação, procurei as duas universidades, principalmente a UFES, para saber se havia possibilidade de manter os dois vínculos. Não encontrei nenhuma regra que proibisse, e, como na UFES eu consegui aproveitar créditos de disciplinas que já havia cursado, foi possível manter as duas matrículas.
No começo, não foi tão difícil, porque eu estava fazendo as disciplinas. Logo depois, passei a focar mais na UFES. Tive também uma ajuda do acaso: os calendários acadêmicos não coincidiam, especialmente por conta de greves, então isso permitiu conciliar. Além disso, eu tinha um bar em Vitória e precisava ir para lá, o que acabou ajudando a organizar minha rotina. Teve planejamento, claro, mas também teve escolha pessoal.
Acredito que, como intelectual, tenho muito a dizer, especialmente sobre temas que pesquiso com profundidade, como sexualidade e gênero no século XXI. Essa é a minha proposta. Sim, existe também uma dose de vaidade em poder dizer que faço dois doutorados ao mesmo tempo e que gosto de desafios. Acho que a gente precisa fazer o que ainda não foi feito. Detesto a ideia do “para que fazer isso?” ou “vamos todos morrer mesmo”. Ver o mundo assim nos manteria nas cavernas até hoje.
Não sou do time “desacelera, sua vida vale mais”. A vida vale, acelerando ou não. E, para mim, vale ainda mais quando conseguimos produzir algo novo para a sociedade. Por isso não me identifico com esse discurso.
Tive alguns percalços no caminho, especialmente com professores que não souberam lidar muito bem com essa escolha. No meio acadêmico, você é aluno hoje e amanhã pode virar professor, se quiser, e alguns não lidam bem com isso. Passei por alguns desconfortos sérios, desnecessários até, mas consegui superar.
Hoje sigo fazendo os dois doutorados. Foi muito difícil, e ainda é, mas sigo firme e preparado para escrever duas teses e entregar dentro dos prazos. Meus orientadores são incríveis, tanto na UFES quanto na UFRJ. Espero que meu trabalho seja relevante para alguém em algum momento da vida.

Estima: Quais são os principais desafios acadêmicos, emocionais e logísticos que você enfrenta?
A gestão disso vinha sendo feita de maneira muito organizada, inclusive porque, se você compra passagem aérea com antecedência, consegue desconto. Então eu ia e voltava de Vitória de avião. Mas também, quando precisava ir para as aulas presenciais, eu pegava ônibus. Era um deslocamento de oito, nove horas. Então, logisticamente, eu acho que isso foi incrível. A questão dos aplicativos ajudou bastante e o sistema de transporte público de Vitória também, por ser melhor, claro, acabou ajudando.
Além disso, tem a força mental, o que eu chamo de “mente de titânio”. Emocionalmente, meu desafio foi lidar com a posição de ser empresário, dono de bar, intelectual e empreendedor ao mesmo tempo. Tive que lidar com pessoas que não sabem lidar com alguém como eu. Gente que exagera e questiona: “Para que isso?” ou “Se ele faz doutorado no Rio, por que está aqui?”. Isso vem muito de uma baixa autoestima da parte delas, mas tudo bem. Eu sou muito animado, gosto muito de estudar e acho que é algo importante. Acredito que isso é fundamental para que você sinta que está fazendo algo autêntico.
Estima: Como você organiza seu tempo e rotina para dar conta de dois programas exigentes?
Olha, eu não acho que organizo tão bem, se posso ser sincero. Na verdade, eu queria produzir mais. Eu já cheguei aos programas com dois artigos científicos e tenho muitos projetos, inclusive de extensão. Acho que a rede e união ajudam, sim. Dos dois programas, a UFRJ tem uma avaliação mais alta pelo Governo e também tem uma capacidade de diálogo melhor com os alunos do que a UFES.
Infelizmente, na UFES encontrei muita resistência e falta de compreensão. Para ser bem claro, tive um momento de bastante estresse e aborrecimento porque alguns professores lá não têm muito diálogo, especialmente comigo. Mas meu orientador é maravilhoso, realmente maravilhoso. Ainda assim, alguns professores foram nada simpáticos, extremamente grosseiros e até cruéis comigo. Nem sempre a gente está emocionalmente seguro ou preparado para isso.
Eu tive um professor, Vitor, que realmente, no período, pesou bastante. Em algumas situações ele foi ríspido e depois tivemos um desentendimento pessoal que acabou atrapalhando um pouco mais. Mas, por outro lado, professores como meu orientador atual são pessoas incríveis e super compreensivas. A gente percebe quando existe uma energia voltada para os projetos de pesquisa.

Estima: Seus projetos têm relação entre si?
Eles não são similares. Não são porque cada projeto tem uma proposta diferente. Mas o meu projeto na UFES, que é a minha pesquisa sobre a produção cultural dos funks proibidos gays, é um desdobramento do projeto que faço na UFRJ, no PPGSA. Na UFRJ eu estou estruturando uma perspectiva teórica sobre o ethos da pegação, sobre essa construção do ser masculino e esse modo de seduzir, ser seduzido e se conectar com outros homens, dialogando com teorias que já existem sobre masculinidades, sobretudo a teoria do habitus do Bourdieu sobre uma perspectiva quase pós-identitária, uma vez que estou lidando com sujeitos que se autoidentificam com o gênero masculino.
A partir desse ponto, analiso como eles usam esses códigos de gênero e esses códigos dessa mise-en-scène, dessa pantomima do masculino, para acessar o sexo. Na UFES, o projeto caminha um pouco em outra direção, que é essa lacuna que havia no mercado musical de músicas voltadas para sexo entre homens. Por isso eu queria beber dessa proposta para mostrar que homens que desejam outros homens também querem se sentir excitados com músicas feitas para eles. E agora venho analisando o impacto que isso tem no ambiente e no clima da pegação, seja nos bares, nos quais eu sou um dos donos, ou em outros espaços.
Estima: Você encontrou resistência institucional? Como lidou com isso?
Inicialmente houve indiferença. Depois, não foi resistência — houve realmente professor que tentou me prejudicar de verdade, tentou fazer eu desistir da ideia. Mas depois encontrei apoio nos meus orientadores, que foram compreensivos e bacanas.
Nunca pensei em desistir. O que aconteceu foi isso: professores que quiseram me atrapalhar. O que me faz continuar… bem, por que não continuar? A pergunta que eu acho interessante não é “o que te faz continuar”, mas sim “o que te faria parar?”. Porque eu acho que, se as pessoas tivessem a minha oportunidade, talvez fariam a mesma coisa.
Eu penso que as pessoas partem do princípio de que alguém como eu é uma exceção à regra. Mas eu acho que a regra deveria ser: você é capaz de fazer as coisas que quer e que tem vontade. Se isso é bom pra você e não prejudica ninguém, então por que não? Infelizmente, o que acontece é que muitas pessoas — nós todos — nos distraímos com outras coisas, e a rotina do dia a dia acaba impedindo a gente de levantar a cabeça e fazer o que realmente sonha. Eu tenho sonhos maiores, inclusive em outras áreas. E o que me faz continuar é o fato de estar vivo. Porque quando eu morrer, aí acabou o papo.
Estima: Que conselho você daria para alguém pensando em seguir o mesmo caminho?
Se você está pensando em fazer a mesma coisa, faça. Preste o processo seletivo, estude, leia, escreva, peça ajuda quando precisar. Informe-se. Quando surgir algum problema, busque apoio. Cerque-se de pessoas que gostam de desafios e de sucesso. Não fique perto de gente que vive dizendo “para que isso?”, “a vida é dura”, “não vai dar certo”. Também não fique perto de quem te coloca pra baixo, quem diz que você não pode, que você não é capaz, que você está sonhando alto demais.
Na minha história de vida acadêmica mesmo, quantas vezes tive que ouvir “faculdade de dança?”, “dança não dá dinheiro”, “isso não é nada”. Hoje estou chegando a um lugar bacana, tendo feito lá atrás faculdade de dança. Então não escute as pessoas que te limitam. Escute você. Se você acredita, você vai chegar a um bom lugar com isso.
Não é fácil, porque você só tem uma vida, e muita gente transforma essa vida em um grande intervalo entre o nascimento e a morte. Elas nascem, passam o tempo todo sobrevivendo e morrem. Eu já penso diferente. Vou tentar fazer da minha vida a mais divertida possível, a mais bacana pra mim e pra quem está à minha volta — pessoas que me respeitam, que gostam de mim, que acreditam no que faço. Esse é o meu jeito de ver a vida.
Eu gosto muito de desafio. Adoro ver coisas acontecendo. Acho o máximo quando encontro alguém fazendo algo, construindo um prédio, criando uma obra, pintando um quadro. Eu sou desse grupo de pessoas que faz, que gosta de fazer, que se dedica e que, com isso, consegue se destacar e sobreviver.
Por: Rhuan Rodrigues
Estima Notícias! ISSN 2966-4683














